mercoledì 24 maggio 2017

FOZ DE IGUASSU - segunda parte de 1973

A caminhonete atravessou o portão, parou no pátio, saltei. Sete Léguas, o
baixinho, espécie de mascote, puxou-me pela manga, doutor, socorro, vi o
sangue escorrer pela sua face, olhei ao redor, rostos amedrontados fitavamme,
doutor, eles bateram em nós, nós dormindo, nós que tavam no chuveiro,
na casinha, em todos, todos...

Vidros estilhaçados, portas arrombadas, um vaso de louça partido, a luz morna
dos postes envolta em fumaça confundia as sombras, levem os feridos para o
hospital e apaguem o fogo, ordenei, não ouvi o sim senhor, aproximei-me do
destacamento, mosquetes em posição de tiro, o tenente à frente de arma em
punho...
— Fizeram arruaça, doutor, rece... Quis voltar ao passado, mas qual dele?
Tinha tantos... Voltar à dolce vita do English school, ao verão na Côte d'Azur,
aos tempos do bombardeio da Luftwaffe sobre Londres, ao pecaminoso prazer
de Copacabana, voltar às polpudas per diem do pai, às perdidas amizades do
clube de remo, ao exílio imposto no interior de Minas, mas só a lembrança da
falência material da família me perseguia. Voltar é sempre ruim, o caminho
através da porta da mente é doloroso, teria que viver mais vinte, trinta anos,
para que eu pudesse saber quem eu era, porque me encontrava aqui nesse
preciso momento, o mundo que cresci era melhor do que esse em que vivo
hoje... — ...bemos ordem , tivemos que controlar a situação... Senti medo, vi
os operários aglomerados ao redor, formara-se um ringue, não haviam rostos
amedrontados, apenas curiosos, alguns sorriam, o verdadeiro inimigo era eu,
candangos e milicianos eram a classe inferior, os oprimidos. Eu representava o
patrão, era o responsável pelas suas vidas miseráveis, alçapão do destino, o
morto nada significa para eles, nascem com a morte, vivem com a morte, já
mataram, já enterraram filhos, irmãos, pais, atingidos pelo desleixo da
sociedade, acendi um cigarro, queria ganhar tempo, queria não estar aqui, os
outros tinham razão. O jantar farto, servido por garçom de libré, não apetecia,
ela, sentada ao seu lado, conversava animada com os outros dois, diretor e
assistente, recém-chegados do Rio, que sapato elegante a senhora calça, veio
visitar seu marido? Ele merece, seu futuro está garantido, a próxima viagem a
senhora fará com o nosso jatinho, traga também um dos filhos, não, não, é
promessa, o que acha da nossa residência? Verdade, é luxuosa, mas temos que
agradar o pessoal do governo, aliás, deve dar um puxão de orelha no seu
marido, ele depenou a todos no pôquer, sim sei, sabemos que ele é
competitivo, concordamos, tem que ser para enfrentar... Eu odiava essa
conversa fútil, não a recriminava, fazia o seu papel, jamais conseguira
disfarçar o desagrado no meu rosto, já me disseram inúmeras vezes "cara, vê
se te manca, tua cara agride...". Eu tentara debater o incidente da tarde,
desconversaram, isso acontece, não esquenta, obra é assim, coisas da vida...
Duas tragadas no cigarro, joguei-o no chão, pisei em cima com a bota.

— O combinado, tenente? Grossos bigodes desafiavam. — Viraram um carro.
— Não me parece que agiu de modo inteligente, respondi e senti logo que não
usara as palavras adequadas. — Desculpe-me o palpite — falei sem firmeza
— talvez meu pessoal tenha exagerado... Minha posição, eu sabia,
enfraquecera, senti meu rosto tenso, esfogueado, a roda de homens aumentava,
o olhar dos candangos era mais incômodo que a arma apontada. Eu, o
perdedor, o bobo da corte, merecia estar nesse fim de mundo, isso é ser
engenheiro? Não fui talhado para ser John Wayne, Gary Cooper, é meianoite,
não é meio-dia, High Noon está longe, droga, isso é hora para pensar em
filme? Olhei por cima dos ombros do homem à minha frente, um pelotão de
vinte meganhas em fila dupla, cassetete numa mão, mosquete na outra, rostos
indecifráveis na sombra dos capacetes, não tinha dúvida, obedeceriam
cegamente à qualquer ordem, serão analfabetos? Com certeza, de onde são?
Irmãos de origem e da ignorância em confronto, eu, o intelectual, regredindo à
primata, de que lhe serve todo esse saber? Vi-me estendido no chão, sombras
em volta, cochichos, não quero padre, não... O som seco do engatilhar
assustou-me. — Tenente, guarde sua arma

3 commenti:

João Menéres ha detto...

Retive uma frase deste texto super-sónico :
o verdadeiro inimigo era eu

Desculpa a hora tardia do comentário, Myra.

Um beijo amigo.

Li Ferreira Nhan ha detto...

Que vida!!!

myra ha detto...

meus queridos Joao e Li, hoje vai a ultima parte...agradeco a participacao de voces!!!! ele era incrivel...e repito mil vezes...como preciso dele agora MAIS que nunca....
beijos